Se a complexidade tributária brasileira e a burocracia traz impactos para o ambiente de negócios brasileiro como um todo, a área de logística e supply chain é especialmente afetada pela incidência de determinados impostos que, ao interferir na lógica de produtividade das empresas, acabam comprometendo parte de nossa competitividade.
É o caso, por exemplo, do ICMS – Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, que, como o próprio nome já indica, se trata do principal tributo incidente nas operações logísticas das empresas brasileiras.
O fator ICMS
De competência exclusiva dos estados, o ICMS leva em consideração o estado de origem da mercadoria, sendo também aplicado nas importações. Só no ano passado, mais R$ 424 bilhões foram arrecadados de ICMS em todos estados do país e no Distrito Federal, segundo números do DCI.
Um dos aspectos mais controversos em relação ao ICMS, como explica este artigo do Portal DireitoNet, diz respeito a chamada guerra fiscal gerada por meio do imposto – basicamente, os estados, para atraírem empresas e fortalecerem as economias regionais, oferecem isenções e benefícios sobre o ICMS.
Para Pierre Jacquin, diretor executivo da Intelipost, startup que oferece uma solução de TMS para a gestão de fretes e todo o controle de uma operação logística, esta particularidade “traz dificuldades para as empresas, pois, uma vez que cada estado tem a liberdade de criar uma política de impostos e tributos independente, toda a gestão fiscal para as empresas de transporte se torna muito mais complexa e sujeita a mudanças do que em outros países e mercados globais”.
Outras consequências da guerra fiscal envolvem a incerteza jurídica gerada pelo ambiente de instabilidade tributária; além dos impactos na própria produtividade das empresas, que acabam tendo que se preocupar em desenhar planejamentos tributários e buscar o melhor cenário para suas operações sem levar em consideração, por exemplo, pontos de desembarque de mercadorias ou os melhores centros comerciais para os negócios.
É o que explica Tayguara Helou, presidente do SETCESP, ao resumir para o nosso estudo o quadro atual dos impactos tributários na logística brasileira.
Helou também tem uma visão crítica em relação ao modelo atual do IPVA – Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores, por ser um imposto que, segundo ele, vai contra uma lógica de maior produtividade nas operações logísticas.
“A carga tributária do país acaba por incentivar questões não-produtivas: o IPVA, por exemplo, não é um imposto inteligente. E por quê? Porque estimula a propriedade de veículos mais velhos, que quebram mais, que causam mais acidentes e que poluem mais. Esta lógica anti-produtiva chega também no ICMS, que faz com que as empresas percam tempo pensando em qual o melhor cenário tributário, não importando se as empresas estão próximas do porto de escoamento ou do ponto de origem da matéria prima”.
Veja como Filipe Barros, Coordenador de Supply Chain do E-Commerce da Unilever Brasil, tem utilizado a tecnologia para otimizar a área logística
A unidade de e-commerce da Unilever Brasil surgiu em 2017, focada na distribuição para o pequeno varejo de SP através do site “Compra Unilever”. Iniciamos tudo de modo simples, sem aplicação de tecnologia na logística de distribuição. Uma das dores que sentimos foi a falta de visibilidade online da produtividade dos motoristas. Também havia o anseio de mostrar para o cliente cada etapa da entrega.
Com esses motivadores, iniciamos parceria com a Routeasy no início de 2018. A experiência de trabalhar com uma startup é bastante positiva, porque há engajamento e a possibilidade de construir uma ferramenta personalizada para sua operação.
O time operacional está muito satisfeito com a ferramenta. A comunicação com os motoristas ficou mais fluida, pois eles podem avisar na plataforma quando há algum problema na entrega. A solução também nos fornece um dashboard com os principais indicadores operacionais, além das avaliações de nossos clientes.
O peso dos tributos
Sobre a questão do peso dos tributos na operação das empresas de logística, podemos citar como exemplo que, no eixo do transporte rodoviário, dados do IBPT apontam que cerca de 20% da receita bruta das transportadoras foi consumido apenas com a quitação de impostos.
A pesquisa, que engloba levantamento de 2015, informa ainda que a porcentagem equivale a R$ 41 bilhões da receita bruta de 207 bilhões que as empresas de transporte tiveram no referido ano.
Outros pontos de atenção para as transportadoras envolvem o preço e a variação do valor dos combustíveis nas regiões do país, além da complexidade de cálculo e do peso dos fretes, que variam de acordo com a carga, modal de transporte, destinatário, distância, além de uma série de taxas e tributos.
Para termos uma ideia, um ano após a greve dos caminhoneiros de 2018 – que teve como mote principal a política de preços e reajustes da Petrobras – a variação entre os estados aumentou e o valor do diesel, em maio, foi de R$ 3,52 até R$ 4,68, conforme estudo da Agência Nacional do Petróleo, do Gás Natural e dos Biocombustíveis (ANP).
Para Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral, uma das medidas que podem contribuir com uma melhora desse cenário de instabilidade é a abertura do mercado do refino de petróleo, que poderia contribuir para a oferta de preços mais competitivos no ambiente de negócios da logística.
“O monopólio do refino de petróleo é um grande problema do país, pois nós não temos uma concorrência que faça com que o preço de um refino mais barato seja repassado para o diesel. E o diesel é o principal custo dos caminhoneiros. Então, enquanto nós estivermos atados a política de preços da Petrobras, de repasse de aumentos para o diesel, nós não estamos atacando o problema estrutural. E não adianta também o governo fazer uma intervenção forçada, uma vez que provocará um grande problema de confiança”, diz Resende.
A tecnologia para a superação da burocracia
Levando em conta o contexto atual do mercado, a tecnologia pode ser uma importante aliada das empresas para melhorar seu controle de custos e superar alguns dos desafios da burocracia impostos pelo país, por meio de uma melhor integração entre as diferentes rotinas presentes em uma cadeia logística.
Pierre Jacquin, diretor executivo da Intelipost, aponta que a solução de TMS oferecida pela startup reduz, por exemplo, em até 25% os custos com frete das transportadoras, além de oferecer ganhos de otimização da cadeia logística na casa de 20%.
“Conseguimos atingir estes resultados pois auxiliamos as empresas a gerenciar os transportes em tempo real por meio de integração com os sistemas próprios das empresas ou outras plataformas de gestão. Cuidamos também de toda a parte operacional e da aplicação de inteligência para uma melhor tomada de decisões no eixo de segurança. Por fim auxiliamos o mercado a controlar e aplicar corretamente a tabela de fretes”, sintetiza Jacquin.
Não à toa, a Gartner aponta que os sistemas de gerenciamento de transporte se tornaram ferramentas indispensáveis para a área de logística das empresas.
Caio Reina, CEO da Routeasy, nos conta como sua solução tem auxiliado grandes empresas como a Unilever
Iniciamos a parceria com a roteirização do e-commerce e uma das soluções desenvolvidas a partir dos feedbacks da Unilever foi o módulo de avaliação dos motoristas – depois da entrega realizada, no link de tracking, o cliente pode avaliar o serviço e o motorista. Com isso, geramos indicadores para classificar os melhores motoristas a partir dos inputs do cliente.
Eles trouxeram também uma necessidade de disparos de SMS para poder avisar o cliente sobre o tracking via smartphone. Toda essa cooperação fortalece uma relação ganha-ganha e se adequa ao nosso modelo: trabalhamos com os segmentos de e-commerce, serviços, indústria e operadores logísticos, sempre com soluções adaptadas para cada segmento.
Os tributos brasileiros em outros modais
Mas o peso da tributação brasileira não se faz sentir apenas no modal rodoviário. Os outros dois principais modais do país (marítimo e aéreo), também enfrentam desafios dentro do âmbito fiscal.
O setor aéreo nacional, por exemplo, compromete cerca de 40% de seus gastos, somente com combustível, sendo que o ICMS sobre a querosene de avião pode chegar até a 25% em alíquota.
Nos portos, só no município de Santos, por exemplo, 60% do valor arrecadado com Imposto sobre Serviços (ISS) provém de atividades portuárias, com alíquota tendo sido reajustada, de 3% para 5%, segundo informações do Portal Porto & Negócios.
Por fim, a burocracia do país também afeta a competitividade das empresas brasileiras nos eixos tanto da importação de insumos e mercadorias, quanto da exportação.
Para termos uma ideia, em se tratando das exportações, hoje, são exigidas uma média de 98 tipos de informações, além de uma série de registros que, em muitos casos, precisam ser repetidos em diferentes formulários.
Os processos de importação e exportação
Algumas iniciativas recentes do Governo Federal, como o Portal Único do Comércio Exterior, que visa reformular processos de exportação, importação e trânsito aduaneiro no Brasil, integrando players e padronizando o processo de preenchimento de dados; bem como, o Programa Operador Econômico Autorizado (OEA), que oferece benefícios para empresas com alto grau de compliance e confiabilidade nos processos, tem, como objetivo, transformar este cenário de perda de produtividade em decorrência da burocracia.
Segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC, por exemplo, o Portal Único do Comércio Exterior tem potencial para reduzir o tempo das exportações de 13 para 8 dias e o das importações de 17 para 10 dias.
Para André Barros, CEO da eCOMEX, empresa que oferece uma plataforma de gestão para grandes empresas atuantes no comércio exterior, programas como o OEA, por sua vez, tem potencial para acelerar a inovação logística no Brasil e no mundo.
“Grandes programas internacionais como OEA, por exemplo, têm potencial para vieses de inovação e aplicação direta de tecnologias como o blockchain. O próprio SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados) vem trabalhando na tecnologia através de um projeto que pretende utilizar o blockchain para garantir transações entre países por meio do programa OEA.”
Para o executivo, no entanto, o desenvolvimento tecnológico no eixo do comércio exterior depende de um profundo conhecimento da realidade tributária brasileira, para que as empresas não sofram com autuações da Receita Federal.
“As empresas precisam utilizar tecnologias adaptadas a realidade fiscal e tributária brasileira: não há espaço para falhas. Um cálculo errado, um erro em determinado processo e a companhia pode ser autuada pelo FISCO com multas podem comprometer sua operação”, conclui Barros.
Vale frisar que, com a sofisticação dos mecanismos fiscalizatórios da Receita Federal – aliada à já citada complexidade e excesso de burocracia no país – as autuações tem crescido no Brasil, sendo que, em 2017, o FISCO autuou em mais de R$ 204 bilhões, um recorde histórico do órgão, segundo matéria do Jornal Valor Econômico.
Para Thiago Furtado, CEO da GETT, empresa que oferece uma plataforma cloud para o controle de operações do comércio exterior, com foco especializado em companhias atuantes no mercado de importações brasileiro, o caminho para superar estes desafios mora na tecnologia.
“A tecnologia, independentemente do setor, é capaz de aumentar a eficiência de uma operação, mitiga riscos e erros humanos, e dar agilidade para as empresas em sua tomada de decisão – especialmente quando a base das decisões é orientada por dados. No âmbito das importações, nosso core, a tecnologia é essencial para aumentar a eficiência tributária das empresas, pois ela garante que o importador pague o imposto correto por cada produto importado”, explica Furtado.
Mas, para tanto, o executivo alerta para a necessidade de uma transformação cultural no eixo logístico, que permita uma maior adesão tecnológica em negócios e empresas de todos os portes.
“A principal etapa é se atualizar. Existem empresas que ainda contratam profissionais para ficar lendo o Diário Oficial referente a uma mercadoria e isso é falho. A tecnologia vem para resolver isso – e muitas não fazem porque acham caro. Mas, a tecnologia hoje, possui modelos acessíveis a todos os tipos de empresa”, conclui Furtado.
TruggHub
A TruggHub oferece uma plataforma para a gestão de transportes, incluindo integração para emissão de CT-e, bolsa de fretes e averbação eletrônica de seguros. A startup de Curitiba/PR possui clientes como C&C, Votorantim Cimentos e Nitrolog.
Everlog
A Everlog é uma solução para a gestão de fretes que possibilita a auditoria e cotação de entregas, gerenciamento de ocorrências e conta com suporte para tomada de decisões. A startup de Campinas foi eleita uma das 100 startups mais inovadoras da América Latina pela Innovation Awards Latam.
Haven
A Haven é uma startup americana que oferece uma plataforma que automatiza cada etapa da gestão da cadeia de suprimentos, incluindo um canal colaborativo para o controle de documentos e dados de uma operação logística. Já possui US$ 14 milhões em investimentos.
Loadsmart
Fundada em Nova York, em 2014, a Loadsmart oferece uma plataforma para a cotação, reserva e acompanhamento em tempo real de fretes que seguem altos padrões de compliance para aumentar a eficiência e segurança nas entregas. A startup já possui US$ 53,7 milhões em investimentos.