Não é de hoje que a sustentabilidade deixou de ser um assunto periférico nas empresas e na própria sociedade, para se tornar um dos principais tópicos que impulsionam o mercado contemporâneo.
Já em 2013, a Akatu, ONG que desenvolve projetos em prol do consumo consciente, apontou em pesquisa que o consumidor brasileiro está atento ao comportamento sustentável das empresas e que ações como não maltratar animais, ter boas relações com a comunidade e possuir selos de proteção ambiental influenciam diretamente na decisão de compra dos cidadãos do país.
E este, por sua vez, é um movimento global. Segundo estudo da Nielsen do ano passado, 73% dos consumidores afirma estar disposto a modificar seus hábitos de consumo, em prol da redução dos impactos no meio ambiente, ao passo que, para 85% dos millennials, a sustentabilidade corporativa é considerada extremamente ou muito importante. O mesmo levantamento aponta ainda que as corporações estão aumentando seus investimentos em sustentabilidade, fator que está transformando o panorama econômico global.
Falhas na gestão ambiental
Em contrapartida, empresas e governos que cometeram falhas na gestão ambiental tem enfrentado impactos significativos nos últimos anos.
Apenas para citarmos alguns exemplos, após a tragédia de Brumadinho, no início do ano, as ações da Vale caíram 24%, com a empresa perdendo R$ 72 bilhões em valor de mercado. Em outro caso recente, a petrolífera BP (British Petroleum), perdeu US$ 73 bilhões em valor de mercado, teve uma queda nas ações de mais de 40% e acumulou uma multa de US$ 21 bilhões do Governo Americano, após vazamento de petróleo no Golfo do México, considerado o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos.
Assumindo esta perspectiva, o crescimento dos investimentos em sustentabilidade – que, em 2018, atingiram mais de US$ 30 trilhões, somando investimentos realizados nos Estados Unidos, Europa, Japão, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, segundo report da GSI-Alliance (Global Sustainable Investment Alliance) – não são apenas uma escolha, mas, antes, uma consequência de uma sociedade cada vez mais preocupada com a preservação do meio ambiente e com a construção de relações de consumo mais conscientes.
E a logística é um importante eixo para o crescimento dos investimentos em sustentabilidade.
Gil Hipólito, diretor de negócios da Brink's, comenta sobre a experiência de trabalhar com startups
As empresas precisam mesclar os processos mais convencionais de inovação interna com o monitoramento das inovações advindas do mercado de inovação aberta.
Na Brink’s, monitoramos as tecnologias que tem mais perspectiva de evoluir, identificamos as startups em alto desenvolvimento e firmamos pontes. Este é um processo de descoberta que envolve assumir mais riscos e engajamento desde o princípio, uma vez que encontrar as boas ideias em meio a todo um ecossistema é um processo permanente. Foi com esse objetivo, aliás, que criamos o BrinksUP!, visando identificar oportunidades e soluções com perspectivas concretas de implementação no mercado.
Neste sentido, em termos de inovação e tecnologia, temos desde um sistema de roteirização aplicado em nossas operações, até tecnologias relacionadas com nossa prioridade central: o controle operacional do ponto de vista de segurança, justamente porque temos de efetivar o gerenciamento de uma operação com características muito específicas e complexas, em se tratando de segurança.
Logística verde
A chamada logística verde (green logistics), por exemplo, que engloba diversas frentes em prol da sustentabilidade e da redução dos impactos ambientais nas atividades de supply chain, tem sido um dos principais drivers para o crescimentos dos investimentos no mercado global de logística, de acordo com estudo realizado pela IMARC Group.
Este cenário, por sua vez, abre espaço para o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções que contribuam com a construção de uma cadeia de distribuição mais sustentável, além de favorecer o surgimento de Logtechs mais antenadas com os conceitos de preservação ambiental.
Dentro deste contexto, uma pesquisa recente conduzido na Universidade de Ciências da Malásia (Universiti Sains Malaysia) aponta algumas das tendências no âmbito da “inovação verde” dentro do terreno da logística, com destaque para o uso de embalagens sustentáveis no packing de produtos; uso de veículos híbridos e elétricos; e uso de depósitos e centros verdes de distribuição (green warehouse), com políticas de eficiência de energia, controle de desperdício e de emissão de monóxido de carbono.
Sobre os modelos de carros híbridos e elétricos, é válido apontar, que, segundo levantamento da FGV Energia, o Brasil já tem potencial para vender 150 mil destes veículos por ano, ao passo que, no mundo, a frota mundial de carros cresceu 55% somente no primeiro semestre de 2018.
O mercado de caminhões elétricos, por sua vez, deve movimentar o mercado logístico global, com potencial de crescimento médio, até 2025, de 18,5% ao ano, conforme estimativa da P&S Market Research.
Iniciativas de grandes empresas
Em relação aos ‘green warehouses’ ou centros verdes de distribuição, é positivo notar a adesão de grandes companhias dentro desta tendência. É o caso da Leroy Merlin, conforme explica Joseph Henry, diretor de Supply Chain B2C da multinacional francesa.
“A Leroy Merlin faz parte do grupo de empresas que assinou o pacto global da ONU, justamente sobre responsabilidade sustentável. Com isso, nossa companhia está verdadeiramente engajada em atender as demandas pacto e respeitar todas elas. A própria diretoria da Leroy Merlin Brasil e, especificamente, a área de supply chain, apontou quais iniciativas poderia apoiar no atendimento dos pré-requisitos do pacto. Neste sentido, estamos engajados com o transporte verde, com o respeito ao ser humano e ao meio ambiente, incluindo todas estas questões em nossa cultura. Somos uma das empresas que está certificando as lojas como Aqua (certificação para construções sustentáveis da Fundação Vanzolini) e, na área logística, estamos trabalhando com a abertura de um CD sustentável, tanto em sua construção, quanto na utilização deste prédio”, explica Henry.
No âmbito das Logtechs que voltam suas atenções para um modelo mais sustentável de logística, podemos citar o caso da startup holandesa, We4Sea, que desenvolveu uma plataforma na nuvem para otimizar o uso de combustíveis e reduzir a emissão de poluentes em navios de carga. Fundada em 2016, a startup já recebeu € 400 mil em investimentos, segundo o Crunchbase.
Logtechs brasileiras e a logística verde
Outro exemplo interessante é o da brasileira Pedala, especializada em entregas sustentáveis no eixo do last mile, utilizando, para tanto, bicicletas cargueiras para otimizar o custo das entregas.
A startup conta, hoje, mais de 100 ciclistas cadastrados em sua plataforma de entregas, tendo sido acelerada pela NESsT e pela Conecta – atualmente, a Pedala participa do programa Lever UP, conduzido pela Unilever e pela Liga Ventures.
Para Alexandre Messina, sócio-fundador da Pedala, um dos grandes desafios para as startups de logística verde, é saber unir a preocupação sustentável com um modelo de negócio rentável e com potencial de escalabilidade.
“Nós nascemos de uma forma bem idealista, só que entendemos que se focássemos apenas em sustentabilidade – sem sermos mais econômicos e mais eficientes – nós só íamos atender aquele 1% da população que abraça a causa sustentável. Então estruturamos um modelo de negócio para que conseguíssemos entregar de forma mais econômica e mais rápida, tendo a sustentabilidade como uma consequência positiva. Hoje, nos posicionamos como uma solução sustentável para logística urbana expressa e fazemos isso através de entregas rápidas e econômicas para o e-commerce. Coletamos grandes volumes nos centros de distribuição dos clientes, trazemos os volumes para nossas bases e distribuímos em bicicletas cargueiras, que conseguem fazer muito mais entregas em uma rota só. Nós atuamos no last mile literalmente. Então nós conseguimos ter, de fato, uma operação bastante enxuta e, mesmo disputando com grandes players, nós conseguimos se diferenciar”, explica Messina.
Outro ponto destacado por Messina envolve a necessidade de um forte posicionamento de marketing por parte das startups, para que possam demonstrar junto aos seus clientes finais e empresas, o modelo sustentável em que se baseia o negócio.
“A logística, muitas vezes, não é visível. Por mais que você tenha aplicativos pelos quais se vê o entregador chegando, nem sempre o consumidor sabe quem está entregando. Neste sentido, os compradores não necessariamente sabem que a logística verde está sendo feita – com a exceção de alguns de nossos clientes que destacam as entregas sustentáveis em seu site. Neste sentido, para a logística verde estar mais em voga, é importante que haja uma divulgação massiva por parte das empresas e startups.”
A preocupação é relevante, uma vez que, ao não destacar o modelo sustentável, em muitos casos, as empresas deixam de aproveitar um potencial de mercado relevante. Segundo um estudo da Edelman Earned Brand divulgado no fim de 2017, por exemplo, o consumidor brasileiro prefere marcas que optam por causas sociais relevantes, incluindo aí o eixo socioambiental.
Contando com um aplicativo próprio para gerir entregas, a Pedala deixa de emitir 113 gramas de gás carbônico por KM rodado, já tendo reduzido, desde sua fundação, mais de 150 toneladas do poluente. Com clientes como Americanas, Netshoes, Riachuelo, Marisa, Reserva, Osklen, Nespresso e Souza Cruz, a startup espera faturar, até o fim de 2019, mais de R$ 4 milhões.
Conheça o modelo de negócio da Cobli, logtech brasileira que vem se destacando no mercado. Rodrigo Mourad, sócio e diretor de operações da empresa comenta sobre o negócio
A Cobli digitaliza informações do que está acontecendo nas ruas e traz isso para os gestores conseguirem tomar decisões melhores e desenhar processos mais eficientes. Nossa solução auxilia empresas a transformarem a logística em um diferencial competitivo para os seus clientes.
Crescemos exponencialmente até agora – quase 500% no último ano – graças a agilidade com que conseguimos mostrar resultados para nossos parceiros. Vale reforçar que, até o momento, todos clientes da Cobli foram referenciados por outros clientes ou nos encontraram procurando soluções para problemas reais de suas operações.
Nosso modelo de negócios é muito simples. Cobramos um valor fixo por veículo por mês que é uma pequena fração do benefício que trazemos para as empresas e nosso desafio para escalar, agora, é conseguir gerenciar uma operação que cresce tão rapidamente – uma vez que o time duplicou nos últimos 6 meses (50 para 100 pessoas) – enquanto entregamos um serviço cada vez melhor.
Redução das emissões de carbono
A Souza Cruz, aliás, é outra grande companhia que desenvolve importantes ações dentro do contexto da logística verde, conforme explica Rafael Szarf, head de logística e inovação do grupo.
“No eixo da sustentabilidade utilizamos diversos modais que reduzem a emissão de carbono na distribuição urbana. Hoje nós temos, por exemplo, uma base de pelo menos 2,5 mil pontos de venda, contando com entregas por bicicletas e outros modais que não emitem gases poluentes. No terreno dos suprimentos agrícolas, incentivamos nossa base de agricultores a aderir a programas de logística reversa, dando destino correto, por exemplo, para as embalagens de suprimentos agrícolas por meio de um modelo de “frete oportunidade”. Fomentamos também programas de agricultura familiar, para aumentar a receita dos produtores de tabaco, fidelizando-os em nossa base”, explica Szarf.
Outra grande preocupação que merece ser reforçada, quando pensamos em logística verde, consiste na redução da emissão de gás carbônico nas estradas, uma vez que os caminhões compõem o segundo modal de transporte que mais emite o gás na atmosfera, ficando atrás apenas dos carros leves, segundo relatório elaborado por mais de 40 organizações internacionais que atuam em prol do fortalecimento dos transportes sustentáveis.
Dentro de um quadro de ações positivas para reverter este cenário, merece destaque o Programa de Logística Verde Brasil (PLVB), que tem como objetivo difundir boas práticas para o transporte de cargas e aplicar conhecimentos visando a redução da emissão de poluentes na atmosfera. É o que explica Osni Roman, presidente da Coopercarga.
“Desde o início do ano a Coopercarga faz parte do PLVB. A iniciativa reúne 28 empresas de diversos segmentos, com apoio de acadêmicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ). Estamos percebendo que cada vez mais o mercado está exigindo alternativas e soluções em logística verde. Neste sentido, desenvolvemos uma série de projetos, que estamos colocando em prática com parceiros, incluindo o uso de caminhões bi combustíveis, híbridos (diesel e elétrico), projetos de neutralização de CO2 através de reflorestamento, energia fotovoltaica (solar), dentre outras ações”, aponta Roman.
Com ampla participação em eventos de sustentabilidade, programas de treinamento e manuais de aplicação de práticas sustentáveis, o PLVB conta com o apoio dos Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo e Região (SETECESP), Sindicato das Empresas de Transporte de Carga do Rio de Janeiro (SINDICARGA) e da Federação do Transporte de Carga do Estado do Rio de Janeiro (FETRANSCARGA).
DescarteLegal
A DescarteLegal conta com uma base de dados gratuito que lista empresas licenciadas para o descarte seguro de resíduos e logística reversa. Fundada em 2014, no Rio Grande do Sul, a startup conta com clientes como MRV, BRF, Fiat e Infraero.
VG Resíduos
A VG Resíduos é uma startup mineira que oferece um software online para a gestão, compra e venda de resíduos descartáveis, incluindo funcionalidades para a gestão de licenças e criando uma rede de facilitação para a logística reversa. Foi listada como uma das Top 100 Open Startups de 2018.
LimeLoop
A LimeLoop desenvolveu uma embalagem de vinil com durabilidade de 10 anos para ser reutilizada em diversas entregas. A startup americana fornece um aplicativo para o acompanhamento das entregas e com dados sobre preservação ambiental. Conta com clientes como Toad & Co, Upchoose e Maika.
Revoolt
A Revoolt é uma startup espanhola que utiliza veículos sem emissão de CO2 para entregas na última milha de mercearias, comércios e pequenos estabelecimentos. A startup foi premiada na Espanha como uma das melhores iniciativas em mobilidade sustentável do país.