Não há muito tempo, a área de Recursos Humanos teve uma importante mudança sobre o seu papel dentro das organizações, ampliando o escopo das atividades de departamento pessoal, passando a assumir uma posição estratégica. Para isso, é essencial que essa esteja presente na tomada de decisões relativas a negócios – concretizando-as de fato ou provendo dados e informações para isso –, gerando valor para a empresa como um todo. E é exatamente nesse ponto em que o People Analytics ganha importância, tornando-se uma prática catalisadora na transformação da área de Recursos Humanos e Pessoas.
Em linhas gerais, a prática de People Analytics é uma metodologia de análise aplicada à gestão de pessoas, com o objetivo de tornar as tomadas de decisões mais qualificadas, assertivas e coerentes, fornecendo insights, argumentos e até conclusões totalmente baseadas em dados.
Em relação à sua aplicação, é comum a analogia com a obra Moneyball, livro escrito por Michael Lewis, em 2003, que posteriormente se tornou um filme, estrelado por Brad Pitt. A história apresenta como um Gerente Geral de um time de baseball se utiliza de dados estatísticos para contratar jogadores, identificar talentos e prever o desempenho dos atletas, mesmo com pouco dinheiro.
Em alguns aspectos, a analogia é válida, visto que People Analytics pode ser bastante útil na otimização de equipes e processos. Em outros, a comparação perde sua força, já que a prática é muito mais abrangente, englobando inúmeras atividades e circunstâncias que envolvem os colaboradores de uma empresa. E é justamente por conta dessa abrangência que tal metodologia tem chamado atenção das empresas, que entregam a ela grande importância e relevância, em busca de um RH mais digital, tecnológico e estratégico.
People Analytics para um RH mais tecnológico e estratégico
Implantar metodologias como a de People Analytics requer, antes de tudo, que os RHs das empresas estejam, de alguma forma, olhando com mais atenção para temas relacionados a inovação de processos dentro da área. No Brasil, alguns dados já mostram que isso já está caminhando para se tornar uma realidade.
De acordo com uma pesquisa realizada em 2019 pela Liga Ventures, para entender a percepção das empresas em relação a esse assunto, 62% dos respondentes – de um total de 627 – afirmaram que o tema de inovação já é discutido internamente na organização em que trabalham: desses, 42% estavam começando a aplicar isso no dia a dia e 20% já possuíam casos reais existentes de inovação. Sendo assim, é questão de tempo para que novas práticas comecem, mesmo que em níveis básicos, a ser adotadas.
Segundo um relatório conduzido pela Deloitte, com mais de 10 mil entrevistados – divididos entre líderes de negócios (37% do total) e líderes de RH (63%) – em 140 países, a prática de People Analytics é vista, em âmbito global, como importante ou muito importante para a organização para 71% dos entrevistados, colocando-a como a oitava principal tendência apontada. Conforme o levantamento, o Brasil é o país que mais conferia relevância à tendência: de um total de 159 respondentes, 85% veem importância no People Analytics, registrada como a quinta temática mais importante entre os brasileiros que participaram da pesquisa.
De acordo com Victor Richarte Martinez, doutor e pesquisador em Gestão da Diversidade na ESPM e FIA-USP, o assunto de análise de pessoas já é tratado e trabalhado pela área de RH das empresas há algum tempo, mas só foi alavancado a partir do desenvolvimento de novas tecnologias. Além disso, ainda é uma prática pouco aquecida no mercado brasileiro.
“Vejo People Analytics como o desenvolvimento de um tema que o RH já vem trabalhando há bastante tempo, que são as métricas de recursos humanos e avaliação de comportamento. Com o avanço da tecnologia e principalmente do big data, tornou-se difícil lidar com todo esse volume de dados sem ferramentas ou por meio de um certo know-how. A multiplicação da base de dados e a facilidade de acesso à informação demandaram que as organizações se preocupassem em como lidar com todo esse volume. Mas, mais do que a quantidade de dados, é preciso olhar para a qualidade deles e saber analisá-los. A coleta, mensuração, convergência e interpretação de informações resulta em mais inteligência, mas a empresa e os profissionais de RH precisam estar preparados. Caso contrário, voltamos para o ponto de falta de reflexão sobre os dados”, afirma Martinez.
Desafios relacionados a dados
De fato, a estruturação de modelos e dados de qualidade e a preparação dos profissionais e gestores de RH para People Analytics se apresentam, atualmente, como dois dos principais desafios enfrentados pelas empresas para uma implementação efetiva da prática. No Brasil, conforme um estudo da PwC, mais de 60% das empresas entrevistadas ainda se encontram em um estágio inicial da metodologia, entregando reportes de informações e métricas básicas.
Isso porque muitas organizações ainda possuem dificuldade na correlação de indicadores e dados e muitas delas estão sob um mindset de certa forma conservador, que não valoriza a utilização de análise de dados para a tomada de decisão. Em um nível ainda mais básico, parte das companhias afirmam ser que a obtenção de informações ainda é uma dificuldade e alegam a existência de uma desintegração dos sistemas de RH e gestão de pessoas.
Uma demanda por profissionais data-driven e com know-how de práticas de analytics
A partir do surgimento de novas tecnologias e principalmente do big data, como comentado por Richarte, criou-se, de maneira geral, uma demanda por profissionais que estejam tecnicamente preparados para trabalhar com novas ferramentas de análise e que possuam uma mentalidade data-driven.
Tal demanda, claramente, atinge também os profissionais da área de RH das empresas, tornando mandatório o conhecimento de matemática e estatística aplicado a pessoas e processos. Conforme um artigo publicado na Forbes, um maior letramento das equipes de RH em análise de dados resulta, consequentemente, em uma evolução do People Analytics nas empresas.
Antes de qualquer coisa, é interessante entender, de maneira geral, os diferentes tipos de informação que podem derivar da prática de analytics. De acordo com artigo publicado no blog da Appus – HR Tech com soluções preditivas a partir de avaliação de desempenho e pesquisa de engajamento –, existem quatro níveis de analytics:
- Analytics descritivo: nível mais básico, em que os dados ajudam a compreender fatos passados;
- Analytics diagnóstico: informação de segundo nível, que possibilita a identificação da causa de um problema; nesse estágio, já são utilizadas técnicas mais avançadas de estatística e extração de dados;
- Analytics preditivos: informações que ajudam a prever cenários futuros, resultantes de técnicas avançadas de extração, posterior correlação e utilização de inteligência artificial sobre dados históricos;
- Analytics prescritivos: nível mais avançado, para a identificação de possíveis ações para resolver determinados problemas, de forma a minimizar eventuais efeitos colaterais negativos; para isso, é necessária a utilização de técnicas computacionais avançadas como machine learning.
Segundo Deli Matsuo, CEO da Appus e ex-Head de RH do Google na América Latina, o futuro do RH, tal como o marketing, por exemplo, não consegue se dissociar de analytics, mas as empresas brasileiras ainda não se encontram preparadas para, efetivamente, adotar as práticas de People Analytics por completo.
“Acho que as empresas têm pouca experiência na prática e estão tentando pular uma etapa importante, que é possuir sistemas corretos, seja para avaliação de desempenho, pesquisa de clima e outros, e estão fazendo analytics em cima de dados de baixa qualidade ou inconsistentes. Existe uma grande dificuldade em organizar os dados. Então há esse desafio de criar sistemas básicos que funcionem para que os processos possam ser mudados. Tudo isso tem muito a ver com treinar os times e lideranças na empresa para que a ferramenta seja útil. O principal desafio nisso tudo é o próprio RH, os profissionais dessa área precisam entender conceitos estatísticos, porque é uma das bases de analytics. Isso é essencial para empurrar a inovação na área”, declara Matsuo.
Infraestrutura e mudança de mindset
Mesmo em empresas nativas digitais, tais desafios são comuns e presentes, visto que a transformação digital afeta o mercado como um todo e, mais do que isso, de maneira dinâmica. Na Stone, fintech que oferece soluções de pagamento e um dos unicórnios brasileiros (startups que atingiram valor de mercado superior a US$ 1 bilhão), adotar uma metodologia como a de People Analytics resulta em uma sobreposição de desafios, que envolvem tanto a estruturação da área e mudança de mindset quanto a entrega de resultados rápidos, de modo a apresentar e gerar valor para a companhia como um todo.
“Na Stone, o RH sempre foi visto como uma área core, diferentemente, acredito, da grande maioria das empresas. Sempre existiu uma visão da área presente no negócio, com um tom mais analítico. No entanto, em questões mais técnicas relativas a esse assunto, enfrentamos as mesmas problemáticas e desafios em relação ao resto do mercado, o que é natural. Além disso, é necessário conseguir mesclar iniciativas de curto, médio e longo prazos, para mostrar o retorno disso para a organização, de forma que a alta gerência veja valor nessas mudanças”, diz Daniel Fonseca, Coordenador de People Analytics na companhia. Ainda de acordo com ele, as HR Techs cumprem um papel muito importante nesse cenário de mudança, facilitando a operação e processos da área e tornando o caminho da digitalização mais simples.
O mercado de HR Techs
A digitalização cada vez mais intensa do RH gera um crescimento relevante do segmento de HR Techs em âmbito global: segundo publicação do portal Times of India, é um segmento com valor de mercado de US$ 400 bilhões. Especificamente na categoria de HR Analytics, espera-se, conforme o Global HR Analytics Market, um crescimento de 13,6% anualmente durante os próximos cinco anos, um mercado que deve chegar ao valor de US$ 3,9 bilhões em 2025. A recente captação de investimentos milionária por startups brasileiras como Solides (US$ 3,5 milhões) e Revelo (R$ 70 milhões) são exemplos do aquecimento desse mercado.
A despeito dos grandes desafios de adaptação dos times de RH das empresas para a adoção de práticas como a de People Analytics, as startups do segmento se apresentam como uma possível solução para tornar essa caminhada um pouco mais simples, e de forma ágil. Se pensarmos na jornada do colaborador como uma experiência de forma geral, muitas HR Techs brasileiras, mais especificamente voltadas para o segmento de analytics, já estão entregando valor para o mercado, facilitando e otimizando muitos dos processos e etapas inerentes a essa jornada, baseando-se, sobretudo, na captura e análise aprofundada de dados.