Como o Grupo NC impulsionou inovação aberta na pandemia
Implementar a inovação aberta não é uma missão de um só profissional, mas que requer o envolvimento e o comprometimento de toda a empresa.
No caso do Grupo NC, conglomerado detentor de grandes empresas como EMS Farmacêutica, destacam-se André Trócoli, gerente de transformação digital e inovação aberta, e Daniel Pontieri, diretor adjunto de suprimentos. Dois profissionais que, mesmo atuando em diferentes áreas, trabalharam em conjunto e ajudaram a desenvolver e impulsionar a área de inovação aberta e compras indiretas dentro da organização.
Na entrevista a seguir, os profissionais compartilham sua trajetória e aprendizados, além de dicas para quem começa a dar os primeiros passos nessa trilha.
LIGA VENTURES (LV) – Como surgiu a inovação aberta dentro do Grupo NC?
ANDRÉ TRÓCOLI (AT) – No começo de 2020, foi criada a área de transformação digital dentro do grupo. Ao longo da pandemia, fomos caminhando, contratando pessoas e, no final de 2020, começou a nascer uma nova área dentro desta: a de open innovation. Na época, eu encontrei uma startup israelense, uma healthtech que entendi que fazia sentido para o grupo e para a empresa, principalmente naquele momento de pandemia. Apresentei essa startup para os nossos diretores e acionistas, e foi quando meu chefe me perguntou se eu não queria focar só nesse trabalho de trazer inovação e startups que pudessem complementar as ações internas do grupo.
Então, ele me pediu para criar a área de open innovation e, a partir disso, comecei a estudar mais o mercado e entender quem eram os players. Foi assim que conheci a Liga Ventures e, no começo de 2021, fechamos um contrato para lançarmos, em conjunto, um programa de inovação aberta.
LV – Como as outras áreas e unidades de negócio do grupo se envolveram nesse processo?
AT – Antes mesmo de fechar o contrato com a Liga, já comecei a fazer as primeiras conexões com as startups. Eu encontrava uma startup e tentava conectar com uma área do negócio que eu conhecia. Como já tenho quase cinco anos no grupo, consigo mapear algumas dores de diferentes “fontes”.
No caso do Grupo NC, as unidades de negócio funcionam de forma independente, o que significa que elas têm autonomia para tomar suas próprias decisões e agir da forma que julgarem melhor. Na prática, isso significou que algumas unidades abraçaram a causa e já quiseram implementar a solução mapeada pelo time de open innovation. Em outras unidades, tivemos maior dificuldade. Com isso, nós começamos a focar naquelas que estavam mais abertas para gerar as primeiras conexões e a colecionar cases de sucesso — algo muito importante para o começo de uma área de inovação aberta.
LV – Hoje, em qual etapa está o processo de inovação aberta realizado em conjunto com essas unidades de negócio e áreas da empresa?
AT – O nosso leque de atuação é bem amplo. Buscamos desde soluções mais ligadas ao segmento do grupo, como aquelas desenvolvidas por healthtechs e biotechs, até produtos e serviços voltados para o backoffice, como as inovações trazidas por salestechs e fintechs. Nesse sentido, tivemos iniciativas de Pitch Day com a Liga para áreas diversas como contabilidade, fiscal, financeiro, jurídico e RH. Algumas deram certo e floresceram, como é o caso da área do Daniel.
DANIEL PONTIERI (DP) – Começando em agosto de 2019, foi feito um diagnóstico de como poderíamos melhorar os processos de compras indiretas.
O principal pilar de transformação foi através da utilização de uma plataforma de compras. Os objetivos foram reduzir custos pela competitividade do uso de e-biddings, melhorar produtividade/eficiência com a adoção junto aos usuários internos e garantir rastreabilidade / compliance.
Como efeito durante o primeiro ano de implementação, houve entregas adicionais de economia superior a 8%, aumento de automação de processos (RPA, IA) com redução de FTE em aproximadamente 15%, aumento de produtividade de área com uma redução expressiva do ciclo médio de negociação das compras indiretas de 30 dias para 5 dias em média acumulada dos últimos 12 meses.
Realizamos ajustes nas políticas de compras, descentralização para compras de pequeno valor não repetitivas. O próximo passo que estamos buscando é o aperfeiçoamento das compras através do uso de inteligência artificial. Estivemos em contato com algumas startups através dos pitch days com o objetivo de entender se a solução seria mais rápida do que fazer internamente.
Com base nessa experiência, utilizaremos IA em algumas categorias de compras a partir de 2022, tais como compra de MRO, TI e de material de escritório.
LV – E quais foram as lições aprendidas ao longo dessa jornada percorrida pelo Grupo NC?
DP – Precisamos adaptar a solução à realidade da companhia. Muitas vezes, estamos pensando lá na frente, mas a velocidade da companhia não está no mesmo compasso. Essa engrenagem precisa funcionar de uma forma adequada e, para isso acontecer, precisamos aprender diariamente com os aperfeiçoamentos das automações implantadas. É uma realidade do processo: o dinamismo da digitalização de compras exige essa adaptação constante, inclusive do time, que precisa mudar seu mindset, e da própria liderança, que deve encarar esse desafio de gestão.
LV – Considerando seus 17 anos de experiência em Compras com inovação, o que foi importante para o processo ser bem-sucedido dentro das organizações?
DP – Em primeiro lugar, devemos identificar um parceiro estratégico que é capaz de sustentar a equipe interna ao longo do processo. Acredito que outro ponto é buscar a todo tempo dar vazão ao processo e deixar as coisas fluírem de uma forma rápida. Quem não acelerar, vai ficar para trás. Tudo isso, por sua vez, deve ser feito a partir de uma cultura de inovação forte e consolidada. Precisa dessa fundação para sustentar o processo de mudança e, então, para acelerar. Além da necessidade de uma comunicação interna e externa clara. Comunicar as ações de inovação para todos é 70% do caminho andado, na minha opinião.
LV – Para finalizar, quais dicas vocês dariam tanto para as empresas quanto para os profissionais que estão começando a jornada da inovação aberta?
AT – Para as empresas, diria que elas precisam ter uma diretoria muito bem alinhada e conectada ao propósito de querer fazer inovação aberta. Uma vez que esse compromisso é estabelecido, também é importante que haja uma conscientização quanto ao processo. A liderança precisa saber que muitos deles devem ser adaptados para que consigam se relacionar com as startups. Por exemplo, muitas vezes os processos contratuais na área do jurídico ou de pagamento precisarão ser adaptados. Várias empresas trabalham com 90 a 120 dias de pagamento. Com as startups, não dá pra ser assim.
Outro ponto é avaliar o apetite da organização para o risco. Aqui no Grupo NC, optamos por dar os primeiros passos com startups que estão mais estruturadas e que já têm clientes porque escolhemos jogar de forma mais segura. Porém, pode ter empresa que queira arriscar um pouco mais, com startups em um estágio mais inicial para, por exemplo, testar o produto da startup dentro da empresa e, com isso, ter o direito de investimento nessa startup. Independentemente do perfil de risco, o meu ponto é: a diretoria precisa estar alinhada sobre qual é o nível de risco que vai querer.
Para os profissionais que querem trabalhar com inovação aberta, eu digo que uma característica muito importante é a curiosidade: essa vontade de estar o tempo todo ligado no que está acontecendo no mercado, atento aos relatórios como o da Liga Ventures, de olho nas startups que estão sendo investidas, nas que estão surgindo, que estão lançando seus primeiros projetos e também aquelas que estão sendo destaques em programas de inovação de outras grandes empresas. Isso tudo para que, quando surgir uma oportunidade, a pessoa já tenha em mente inovações que possam atender a essa demanda.
DP – No meu entendimento, algo muito importante para o profissional que quer começar na jornada de inovação aberta de transformação digital é entender o dinamismo do mercado de trabalho daqui para frente. Também é importante entender que essa jornada é cíclica: você aprende, desaprende, reaprende. É um ciclo de adaptações que precisam ser ponderadas.
Do lado das empresas, concordo com o André quando ele ressalta a disposição para adaptar os processos internos. Existe um dinamismo na inovação aberta que, naturalmente, força o mundo corporativo a mudar. Acho que, no futuro, vamos fazer piada do que hoje é uma regra absoluta.