Na cadeia da Saúde, os intermediadores representam o elo que conecta os usuários ao restante da cadeia. Representado em sua maior parte pelas operadoras de saúde, os intermediadores vêm encarando desafios ligados diretamente às suas eficiências de custos e resultados, além de terem que acompanhar as mudanças que vêm acontecendo nos modelos de negócios tradicionais, muitas vezes motivados pelo surgimento de startups.
Reflexos da crise no setor de saúde suplementar
Em 2015, de acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram gastos pelos brasileiros R$ 204,4 bilhões com saúde privada, o que compreende, principalmente, os planos particulares de saúde. O número absoluto de beneficiários, por sua vez, tem registrado queda nos últimos anos, de acordo com dados da ANS, seguido também da taxa de cobertura dos planos de saúde em território nacional que caiu de 25,8% em 2014 para 24,5% no 3º trimestre de 2017.
A queda registrada entre 2015 e 2016, a mais acentuada do período, coincidiu com um período de alta da taxa de desemprego no país e com um momento em que o governo brasileiro passava por problemas em relação às contas públicas. Segundo dados da ANS publicados em matéria do Nexo Jornal, os planos coletivos empresariais são os mais comuns no País e com o fechamento de 1,3 milhão de vagas de emprego formal (Min. do Trabalho), estes planos se tornam inativos. Dessa forma, o desemprego afeta o número de beneficiários não só na diminuição de renda, que restringe ainda mais ao acesso às necessidades de saúde, mas também na perda do plano vinculado à empresa.
Em nota publicada no Nexo, o IESS (Instituto de Estudos de Saúde Complementar) afirma que “enquanto a economia do país não reagir e o saldo de empregos voltar a crescer, o setor de saúde suplementar, provavelmente, continuará a ver beneficiários, infelizmente, optando por romper vínculos com as operadoras de planos de saúde”.
Como uma reação ao cenário de saúde que vem se desenhando nos últimos anos, o Dr. Consulta, que se define como “uma rede de centros médicos que deixa simples cuidar da saúde” surgiu em 2011, com um conceito inovador de driblar as burocracias de consultas e exames médicos. A partir de 2016, registrou um relevante crescimento no mercado brasileiro, com 33 centros médicos espalhados por São Paulo – em 2014 eram apenas três. Em 2018, iniciou o ano com 45 centros, atendendo mais de 50 especialidades, 1000 tipos diferentes de exames e um milhão de pacientes.
A rede conta com profissionais – constantemente avaliados pelos pacientes – dos principais hospitais de São Paulo, como o Albert Einstein e Sírio Libanês. O Dr. Consulta busca atrair novos usuários por meio de três frentes atrativas: facilidade no agendamento, feito por internet; facilidade no pagamento, sem preços abusivos e proximidade do usuário com o local de consulta. Assim, surge como uma alternativa aos brasileiros que deixaram de ser beneficiários de planos de saúde nos últimos anos.
Fraudes e a necessidade de diminuição dos custos
Uma outra razão para o encarecimento dos planos são as fraudes no setor de saúde. De acordo com Rosa Antunes, presidente da Associação dos Corretores de Planos de Saúde (Acoplan), em coluna publicada na revista Apólice, a má gestão e o alto número de fraudes têm fechado as portas de muitas operadoras. Esses problemas, inclusive, têm grandes impactos econômico-financeiros no setor.
“Segundo um cálculo do IESS, R$ 22,5 bilhões dos gastos de operadoras de planos de saúde no País em 2015 foram desperdiçados por consequência de fraudes e procedimentos desnecessários. Isso representa 19% do total de despesas das operadoras, que somaram R$ 117,24 bilhões. No fim alguém acaba pagando pela ineficiência e desonestidade, pois tudo isso acarreta no encarecimento de planos de saúdes e tratamentos”, afirma Rosa. Tais fatos, além de tudo, comprometem a imagem dos operadores de planos e a confiança da população, que precisa recorrer ao sistema público de saúde, já extremamente saturado.
A partir de problemáticas como essa, surgiram startups como a Carefy, uma plataforma para gestão e monitoramento de pacientes internados para operadoras de saúde, que visa à redução de custos de internação, otimização de processos e melhoria no atendimento ao paciente.
Para uma operadora de saúde no Brasil, ter controle e acesso a informações sobre internações hospitalares é uma tarefa desafiadora. O Carefy atua na central de internação da operadora que é composta por uma equipe multidisciplinar e seus gestores responsáveis. Essas centrais são responsáveis pelo monitoramento dos pacientes internados. Pela auditoria de leitos, enfermeiras auditoras realizavam o procedimento de coleta de informações de forma manual e descentralizada, o que dava origem a muitos erros, ausência e atraso nas informações, que são fundamentais para a tomada de decisão dos gestores”, conta Erika Monteiro, cofundadora e COO da startup.
Com o Carefy, as enfermeiras contam com um aplicativo mobile para captação dessas informações e os gestores com um sistema web para análise e tomada de decisão. Dessa forma, as enfermeiras adicionam as informações no aplicativo e a central de internados tem os dados necessários para tomada de decisão em tempo real. No caso dos gestores, eles contam com indicadores estratégicos e gráficos com dados de internação e custo da operadora. Ainda, o Carefy gera alertas específicos para equipe, os quais auxiliam na tomada de decisão para que seja otimizada e mais assertiva.
Veja o que Erika Monteiro, cofundadora e COO da Carefy, fala sobre o assunto
Atualmente, 100% dos pacientes internados em hospitais credenciados do grupo São Francisco possuem seus dados na base da startup, onde os resultados obtidos até o momento foram a diminuição do tempo médio e redução dos custos relacionados à internação, além da diminuição de 24h no tempo de resposta da equipe. Para Monteiro, os investimentos em inovação e tecnologia em busca da eficiência operacional no setor de saúde podem ser fundamentais para auxiliar nos desafios enfrentados hoje pelas operadoras de saúde do Brasil.
A análise de dados como transformadora do setor
No estudo Building the Hospital of 2030, publicado pela Aruba, são apontadas 5 previsões que, até 2030, poderão transformar a indústria da saúde:
- Inteligência artificial;
- Autodiagnóstico de pacientes;
- Hospitais automatizados;
- Análise de exames e registros por meio de dispositivos móveis;
- Integração de dados digitais, que deve facilitar a vida tanto de pacientes quanto dos demais atores dessa cadeia.
Alinhada às tendências e atuando naquela que talvez seja uma das maiores apostas para levar a saúde para um outro patamar – o big data da saúde, a Epitrack, startup brasileira fundada em 2013, no Recife, surgiu com a proposta de detecção digital de doenças. Em 2018, com a ideia de “deshospitalizar” atendimentos de baixa complexidade, lançou a plataforma Clinio. Nela, realiza-se a conexão entre médicos e pacientes de uma mesma localidade que necessitem de atendimento, feito de forma domiciliar.
De acordo com Onício Neto, CEO da Epitrack, “os dados levantados dessas consultas incorporam um fluxo interno de extração de conhecimento, de maneira que se torna possível visualizar como a saúde se comporta em um território. Torna-se possível saber como é o consumo de um medicamento específico num determinado período do ano, em determinada região. E isso é um dado valioso, e a partir dele se faz o contato com a indústria farmacêutica e a rede de drogarias”.
Para Neto, a interpretação dos dados que coleta é o diferencial da plataforma, enquanto que outros agentes do mercado ainda lidam com isso de forma muito atrasada.
Se você olhar no sistema de informação público, do SUS, é muito obsoleto, tem problemas grandes de consistência de informações. Em relação à informação privada, estamos bem à frente também. Hoje, a saúde privada infelizmente olha para os dados com um olhar puramente contábil. Há um registro do caso e pronto. Acaba por aí. Não há uma análise de contexto, não há um aprofundamento daquilo que o caso representa”, afirma ele.
Além da Clinio, a Epitrack ainda possui outros três produtos ligados à tecnologia na área de health care. A primeira delas, a plataforma Guardiões da Saúde, surgiu com propósitos de prevenção de doenças e vigilância ativa da saúde no Brasil, onde o usuário pode dar informações sobre suas condições de saúde e os sintomas que sente e, a partir disso, o sistema realiza uma coleta de dados e informa regiões que eventualmente tenham registrado ocorrência dos casos com sintomas similares ou já diagnosticados.
Na Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, a Epitrack lançou o aplicativo Saúde na Copa, com o objetivo de mapear e identificar epidemias e surtos durante o evento esportivo. Seguindo a mesma linha, a startup desenvolveu também a Flu Near You, plataforma que opera em terras americanas para detectar possíveis casos do vírus influenza, monitoramento que é feito da própria sede, localizada em Recife.
Para o CEO da startup pernambucana, a análise e o processamento de dados são também os maiores aliados no desafio de inovar na área da saúde.
Os dados são o oxigênio que a gente precisa hoje. Já fui visitar cliente que não tinha conhecimento nenhum sobre os dados que possuíam. Saúde é um problema complexo, não é fácil de resolver. São necessárias ferramentas de inovação com uma visão holística e integrada do problema, seja a visão tecnológica, de saúde, social, econômica. Não podemos resolver problemas do presente com estratégias do passado”, declara Neto.
Uma relevância cada vez maior das startups de healthcare
As grandes empresas americanas, pioneiras em grande parte dos setores do mercado, também têm percebido a importância das inovações tecnológicas no setor da saúde. De acordo com dados da CB Insights publicados no New York Times, nos primeiros 11 meses de 2017, dez das maiores empresas de tecnologia dos Estados Unidos estiveram envolvidas em negócios de private equity na área de healthcare que chegaram a 2,7 bilhões de dólares. O montante foi dez vezes maior em relação ao de 2012, que alcançou 277 milhões de dólares.
Em dezembro de 2015, o grupo financeiro multinacional Goldman Sachs liderou uma rodada de investimentos da startup americana Vitals, negócio que envolveu 41 milhões de dólares, segundo informações do CrunchBase. A startup, que captou investimentos superiores a 85 milhões de dólares, foi fundada em 2007, em Nova Jersey, nos EUA e oferece 3 plataformas tecnológicas e inovadoras a seus usuários: a Vitals.com, a VitalsChoice e a Vitals SmartShopper.
A primeira é uma ferramenta online de pesquisa que auxilia consumidores a encontrarem o “médico perfeito”, a partir de aspectos como planos de saúde aceitos, educação, especialização, linguagens faladas, entre outros. Além disso, os profissionais da saúde estão sempre sob avaliação a respeito das condições da consulta, como limpeza do local e qualidade do atendimento. Assim, após as análises feitas pelo paciente, a consulta pode ser marcada de forma online. São mais de 1,5 milhão de perfis de médicos e 9 milhões de avaliações.
A VitalsChoice, por sua vez, é uma plataforma integrada que reúne ferramentas intuitivas e transparentes, de forma que o usuário tenha informações suficientes para escolher o melhor plano de saúde de acordo com suas necessidades. São fornecidos os custos e uma interpretação deles e avaliações dos planos, feitas por usuários. A Vitals SmartShopper segue a mesma linha, mas em relação a serviços como procedimentos rotineiros, exames preventivos e digitalização de imagens. A ferramenta oferece diferentes opções de maneira a incentivar o usuário a ser um comprador consciente, que busca qualidade a preços baixos.
Veja o que Marcelo Zorzo, Diretor de Saúde da Porto Seguro, fala sobre o assunto
Pensando em acompanhar as inovações e fomentar o empreendedorismo nas suas diversas áreas de atuação, em 2015, a Porto Seguro criou a Oxigênio Aceleradora. A aceleradora, que possui parceria com a Plug and Play Tech Center, aceleradora do Vale do Silício, já acumula mais de 5.000 inscrições recebidas desde sua criação. Nesse período, a Oxigênio já acelerou 29 startups, com investimentos que chegam a aproximadamente 4,5 milhão de reais. Interessada em entender os processos de inovação no setor de healthcare, relacionou-se com startups da área, como Qual Farmácia, Psicologia Viva e GoGood.
Portanto, as inovações tecnológicas que surgem neste elo da cadeia aumentam a possibilidade de facilitar e melhorar a relação triangular entre intermediadores, usuários e operadores, podendo otimizar grande parte dos processos de toda a cadeia do setor.
A Livongo, startup americana que já levantou mais de US$ 200 milhões em investimentos, oferece uma solução para acompanhamento e direcionamento remoto de crônicos. Hoje, 4 das 7 maiores planos de saúde americanos oferecem a Livongo para os seus membros.
A startup americana Vitals criou uma subdivisão do seu negócio focado em facilitar e tornar mais inteligente as escolhas dos usuários relacionadas a saúde, otimizando os custos envolvidos e opções disponíveis para a rede de usuários de empresas. A startup já captou mais de US$90 milhões.
Para auxiliar nos processos de auditoria e controle entre planos de saúde e hospitais, a startup Carefy criou uma solução para que as informações captadas durante a internação fossem compartilhadas em tempo real entre esses atores. A startup opera hoje na rede São Francisco com mais de 200 hospitais.
Um dos casos de mais destaque de startups de Health Techs no Brasil, o Dr. Consulta surgiu para suprir uma demanda por consultas e exames não atendida pelos modelos tradicionais existentes. A startup já captou mais de US$90 milhões em investimentos e tem mais de 40 centros médicos instalados.